Procurando indicadores precoces

3. Procurando indicadores precoces

3.1 A lista de Hornsby

 

O Dr. Bevé Hornsby, um eminente especialista em dislexia do Reino Unido, elaborou uma lista de indicadores iniciais a serem observados.

 

Pré-escola

– apresentar histórico familiar de dislexia, lentidão em leitura e soletração fraca em outros membros da família;

– ser ambidestro, ou escrever com a mão esquerda, ou lentidão em definir uma das mãos;

– fazer confusão entre esquerda e direita;

– apresentar andar tardio e ser desastrado;

– não ser capaz de  perceber ou produzir rimas;

– ter linguagem verbal imatura e pronúncia pobre;

– sentir dificuldades em nomear objetos familiares.

Entre 5 e 8 anos

– ter dificuldade para aprender o alfabeto, ou em reproduzir os sons que as letras representam;

– ter dificuldade em juntar sons para formar palavras;

– ter dificuldade de leitura, exceto por palavras simples (vocabulário “visual” ou palavras reconhecidas pela sua forma geral);

– ter dificuldade para controlar um lápis para escrever ou desenhar propriamente;

– ter dificuldade para perceber ou produzir rimas.

Outros sinais irrestritos a uma idade específica

 – fazer confusão entre esquerda e direita;

 – apresentar atraso na aprendizagem de dizer as horas e confusão na orientação temporal e espacial;

– sentir dificuldades em seguir várias instruções verbais dadas rapidamente uma após a outra.

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©Dr. Vincent Goetry e Dyslexia International (Versão Original)

©Dra. Ângela Maria Vieira Pinheiro (Coordenação da tradução e adaptação da VB)

3.2 Padrões comuns de erros e comportamentos

3.2.1 Erros comuns na leitura e ortografia

Estas observações são inspiradas na consultora internacional Marianne Klees, já falecida, uma notável especialista belga em dislexia, e em Arlette Bourgueil, inspetora belga de escolas especiais. Tais observações foram adaptadas para o inglês e, agora, para o português. Outros tipos particulares de comportamento são extraídos do trabalho de Hornsby.

•  Confusões auditivas, principalmente entre vogais átonas e entre consoantes surdas e sonoras [+voz] e [-voz].

  • menino↔ mininu
  • dado ↔ tato

(chuva) Paulo, 10 anos

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(chuva, vila e disse) Larissa, 11 anos

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A pronúncia das consoantes é diferenciada:

oclusivas /p/ /b/ /t/ /d/ /k/ /g/; as fricativas, como, por ex. /f/ /v/ /s/ /z/, as líquidas, como, por exemplo /l/ /r/ /R/;

– pelo papel das cordas vocais, isto é, surdas e sonoras, como, por exemplo, /p/ /t/ /k/, opostas a /b/ /d/ /g/;

– pela caixa de ressonância, como as consoantes nasais, por exemplo, /m/ /n/, opostas às orais /b/ /d/;

– o ponto de articulação, que pode ser labial como /p/ /b/ /m/ /f/ /v/; alveolar como /t/ /d/ /n/ /s/.

 

Confusão do traço surdo/sonoro entre consoantes com o mesmo modo de articulação:

surdas sonoras
[p] (pato) [b] (bato)
[t] (nata) [d] (nada)
[k] (caca) [g] (caga)
[f] (faca) [v] (vaca)
[s] (selo) [z] (zelo)
[ch] (chá) [j] (já)
   

Confusão entre os pontos de articulação das consoantes:

Frente da boca Meio da boca Posterior da boca
[p] (pala) [t] (tala) [k] (cala)
[b] (bala) [d] (data) [g] (gala)
[f] (fome) [s] (some) [k](come)
[s] (roça)            [ch] (rocha)
[v] (vá)            [d] (dá)                    [k] (cá)
[z] (zelo)            [j] (gelo)
[m] (cama)            [n] (cana)
[l] (calo)            [r] (caro)

•  Confusões entre letras visualmente  semelhantes:

 

  • b ↔ d
  • p ↔ q
  • n ↔ u
  • m ↔ n
  • f ↔ t
  • e ↔ a

Eis um exemplo de confusão entre <b> e <d> (e omissão de <r>) por Jordan, 7 anos:

 

 

Exemplos semelhantes de crianças brasileiras: espelhamento e omissão da letra r nos encontros consonantais

               

(vejam) Luiz, 8 anos                         (livro) Ana, 11 anos

• Inversões entre as letras e, menos frequentemente, entre sílabas ou palavras:

  • sign ↔ sing
  • was ↔ saw
  • on ↔ no
  • not ↔ ton

O equivalente no português poderia ser:

  • pai ↔ pia
  • maus ↔ suam
  • pata ↔ tapa
  • sai ↔ ias
  • abaixo,  um exemplo de todos as possíveis inversões de letras para a palavra <teapot>

 

 

Adaptando ao português, poderíamos ter:

piques                       biques

disque                       piqnes

pasqua                     baque3

 

  • a amostra abaixo de Carlos (7 anos) mostra inversões no nome da cidade onde ele mora (< Lasne >) , bem como nas palavras < four > and < friends >:  

 

 

Adaptando ao português, ocorrências semelhantes seriam:

  • lesma ↔ lemsa;
  •  carta ↔ catra

 

 (presente) Larissa, 11 anos   

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(colegas) – Isaac, 9 anos

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Abaixo a inversão entre < i > e  < e > na palavra < friend > feita por Alicia (11 anos):

 

 

E no exemplo a seguir, Alex (11 anos) inverte as letras na palavra  <great>:

 

No português, confusão semelhante ocorreria em:

espécie  espécei

 

(quietos) Jessica, 11 anos

 

Na amostra seguinte, Henri (7 anos) escreveu em maiúscula e espelhou as letras <L> e <Z>:

 

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O exemplo abaixo mostra inversões nas palavras < was > e < bird >:

 

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Equivalências no português seriam:

  • carta ↔ crata
  • sera ↔ ares

(cinderela) Arthur, 10 anos

 

.• Adição de letras, sílabas ou prefixos/sufixos:

  • pain → plain
  • sale → sayil*
  • happy → unhappy

*neste exemplo, a criança mistura os efeitos da alfabetização pelo nome das letras com a ecrita fonética : a à ay + [il].

No PB:

  • pata → prata
  • sapo → sapeu
  • feliz → infeliz

Abaixo, um exemplo de omissão da letra <w> na palavra < brown >  por Pierre (7anos) em um exercício de cópia:

 

A omissão da semivogal na escrita é frequente no Português Brasileiro (PB), em virtude da tendência em curso de apagá-la na fala:

  • pouco → poco
  • ouvia → ovia
  • falou → falo

 

  (ouça – Henrique , 8 anos)

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Confusão muito frequente ocorre com a grafia da semivogal /w/, uma vez que pode ser escrita com lu, ou o, ou o inverso:

  • animal animau
  • mal   mau
  • mau  mal
  • pau   pao    

 

(Chapéu – Gabriel – 11 anos)

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e (Chapéu e Papel – Gilmar, 7 anos e 9 meses)

(legal, real) Arthur,10 anos

No exemplo seguinte, a mesma palavra < jumps >  é parcialmente repetida por Alex (7 anos) quando solicitado a copiar a frase em escrita cursiva:

 

Omissão de letras que representam consoantes sonoras, especialmente em sílabas átonas, bem como de  prefixos/sufixos:

  • a banana ↔ a nana
  • hopeful ↔ hope

Equivalência no PB:

  • a banana ↔ a nana
  • amigável ↔ amiga

Nos exemplos abaixo, Thomas (12 anos) omite letras nas palavras <should >, < executive >, < opportunity >, e sílabas inteiras nas palavras <recognise >, < enthusiasm > e < difficult >, respectivamente:

 

A análise das ocorrências de Thomas revela que não aprendeu os princípios alfabéticos do inglês, por exemplo, qual o fonema que o grafema sh representa, ou o valor do grafema c antes de /yu/. A omissão de sílabas inteiras revela a dificuldade de codificar trissílabos.

Na escrita inicial de crianças brasileiras encontramos tais dificuldades nos chamados grafemas complexos (dígrafos), particularmente no registro das vogais nasais, como em:

  • palha → palia  
  • vinho → vino
  • chave → cave
  • tempo → tepo 
  • canta → cata

 

 (batalha) Larissa, 11 anos

  (galinha) Romulo, 8 anos

 (compraram) Gabriel, 11 anos

(criança) Romulo, 8 anos

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No exemplo abaixo, Andrea (7 anos) omite letras na palavra < gymnastics >:

O próximo exemplo é de Sophie (10 anos) que consistentemente omite a última letra de <twelve>:

 

Trata-se, evidentemente, de escrita fonética. No PB, como são pouquissimas as ocorrências de consoantes em final de vocábulo, a escrita fonética afeta mais as vogais pós-tônicas:

  • caso casu
  • fale   fali

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(gato, higiene e hino) João Vitor, 9 anos

(Parque) Leticia, 8 anos

 

 Substituição de palavras

  • ele viu um carro → ele viu uma cadeira

Erros que os leitores com dislexia podem continuar a fazer numa fase posterior para reconhecer ou ortografar ditongos  e encontros consonantais: he saw a car → he saw a chair

  •  [ oy ], [ ow ], [ air ], [ ear ], [ sh’n ]
  • information → informshan

Já comentamos acima que, em virtude do apagamento da semivogal /w/ nos ditongos, no PB ela tende a não ser registrada. Cabe verificar se tal dificuldade é maior nos disléxicos. O que, sem dúvida, constitui dificuldade suplementar é o registro dos ditongos nasais /ãw/ e /õj/:

  • cantam cantão
    •  mãe   mãi

(porão e compraram) Lucas, 9 anos

 

(vejam) Henrique, 8 anos

 

Outros comportamentos típicos na leitura

  • Inventar uma história baseada em imagens em um livro sem relação com o texto
  • Leitura lenta e hesitante
  • Seguir o texto com o dedo
  • Perdendo o fio constantemente – seja omitindo passagens inteiras ou tendo que ler a mesma passagem duas vezes
  • Leitura em voz alta sempre com hesitação e, às vezes, palavra por palavra, sem mudar a entoação
  • Tentar dizer “sons” isolados das palavras, sem ser capaz de sintetizá-los para formar a palavra
  • Leitura de palavras incorretamente quando elas já são familiares no vocabulário falado da criança e podem ser pronunciada por via oral sem dificuldade
  • Leitura exclusivamente no tempo presente quando o texto está no passado
  • Adivinhar palavras – façam ou não sentido
  • Ignorar a pontuação.

 Outros padrões típicos de erros de ortografia

  • Contrações ou fusão de duas palavras em uma (infrassegmentação)

    <a menina> → <amenina>

  • De-contrações, dividir uma palavra em duas (supersegmentação)

  <amamos> → <ama-mos>

  • No ensaio seguinte, escrito por Tracy (11 anos), várias palavras são supersegmentadas (< into >, < headmistress >, < suitcase >):

  • Exemplo de texto com ocorrências de supersegmentação em criança falante do PB   

Problemas em compreender as palavras e sua organização sintática; infrassegmentação ou hipersegmentação das palavras por não entender o seu significado ou o papel gramatical que desempenham na frase, como em Annie (7 anos), quando ela tenta nomear seus três gatos (<eu tenho um gato que se chama …>): Observe a escrita fonética de Annie.

 

Exemplo de escrita inconsistente: a mesma palavra está ortografada de forma diferente no mesmo parágrafo ou trecho, como no caso abaixo a palavra <teacher> escrita por Eliza (7 anos):

Exemplo de escrita fonética (escrever palavras foneticamente como elas são pronunciadas):

    • [Difícil] → <difecelt>
    • [Gradual] → <gradewal>

     

    Outros exemplos PB:

    • [´kaza] → <kaza>

     

(disse)  (texto) (eu vou ir no parque)

  • Escrita EspelhadaEscrever em espelho, por exemplo, da direita para a esquerda, como Sophie (7 anos) fez para as palavras < tower > e < jellyfish > ao desenhar um mapa mental sobre suas férias na Córsega:    Outros problemas de escrita
    • Escrever usando scripts estranhos – as palavras têm pouca ou nenhuma relação com os sons que as letras representam.
    • Incapacidade de escrever a “letra” ou grafema (ou seja, uma ou grupo de letras que representa um fonema) apropriada para o “som” ou fonema, mesmo quando os nomes das letras correspondentes para aquele som são ditados.
    • Incapacidade de selecionar letras de um grupo com base em seu nome.
    • Incapacidade de parear letras idênticas quando perguntado.
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3.2.2 A pontuação

Para alunos com dislexia de todas as idades, a pontuação frequentemente apresenta um grande desafio, por exemplo, não usar uma letra maiúscula no início da frase e um ponto final no final da mesma.

Crianças com dislexia podem saber sobre a finalidade dos pontos de interrogação, pontos de exclamação, aspas e parênteses, mas raramente conseguem usá-los corretamente em um texto.

Muitos marcadores de pontuação (sublinhados em azul) foram omitidos por Tracey (11 anos) no ensaio a seguir:

 

Exemplo de texto que apresente problemas de maiúsculas em início de sentença e de pontuação em seu final

 

Jessica – 14 anos

 

 

Daniel – 10 anos e 7 meses

 

 3.2.3 escrita

Algumas crianças com dislexia têm problemas, que impedem a legibilidade da escrita. Pode ser lenta, irregular, descuidada e mutável quanto ao estilo. Inclui passagens aleatórias, falsos começos, omissões e repetições, como ilustrado nos exemplos abaixo.

 

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Exemplo de texto com de repetição de sílaba no PB:

 

 

Fernando, 9 anos e 11 meses

 

O texto a seguir foi escrito por Steven (14 anos). Você pode constatar que a escrita é bastante errática.

 

É importante ter em mente, porém, que nem todas as crianças com dislexia têm manuscrita irregular. Pelo contrário, algumas têm letra muito nítida e constante, como no exemplo abaixo, escrito por Thea (11 anos):

 

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Exemplo texto de criança disléxica com manuscrita nítida e constante

 Larissa, 9 anos e 3 meses

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©Dr. Vincent Goetry e Dyslexia International (Versão Original)

©Dra. Ângela Maria Vieira Pinheiro (Coordenação da tradução e adaptação da VB)

3.3 Ilustração de alguns erros típicos na escrita

 

 

Exemplo de texto equivalente no PB 

 

Luisa, 11 anos

 

ATIVIDADE 6

Com seu parceiro de curso, ler atentamente a carta de Zachary ao Sr. Pumfrey, e tentar encontrar pelo menos um erro correspondente às seguintes categorias:

  • erros gramaticais
  • infrassegmentações
  • hipersegmentações
  • escrita fonética
  • escrita inconsistente da mesma palavra
  • reversões
  • inserções
  • omissões
  • confusões auditivas

Em seguida, compare as suas respostas com a nossa análise (não exaustiva) da carta de Zachary, de acordo com essas categorias.

 

 

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©Dr. Vincent Goetry e Dyslexia International (Versão Original)

©Dra. Ângela Maria Vieira Pinheiro (Coordenação da tradução e adaptação da VB)