2. Princípios para o ensino da alfabetização
2.1 Os métodos fônicos
Durante décadas existiram controvérsias sobre os métodos para o ensino da alfabetização entre aqueles que, por um lado, apoiavam o método ‘global’ e aqueles que, por outro, apoiavam o ‘fônico’ ou analítico.
Se você quiser saber mais sobre as razões por que os métodos fônicos são melhores do que os métodos globais, leia este capítulo do livro de José Morais.
Você pode pensar que o ensino das relações grafema-fonema é distante do objetivo da leitura, que é chegar ao sentido. Pelo contrário, é o melhor meio de alcançá-lo.
Por exemplo, o Dyslexia Institute Learning Programme from Dyslexia Action, UK (Programa de Aprendizagem do Instituto de Dislexia da Ação Dislexia, RU) sugere começar pelo ensino das seguintes correspondências:
Colocamos ao lado em negrito a gradação das correspondências que julgamos adequadas no PB (obs. da trad.):
- <t> ↔ /t/ <v> ↔ /v/
- <i> ↔ /i/ <i> ↔ /i/
- <p> ↔ /p/ <f> ↔ /f/
- <n> ↔ /n/ <a> ↔ /a/
- <s> ↔ /s/ <l> ↔ /l/ (em início de sílaba)
Com apenas esses cinco grafemas a criança pode formar muitas palavras:
- <tin> <vila>
- <tint> <fala>
- <pins> <lava>
- <sit> … <lia> …
Com um pouco de criatividade, são possíveis frases que fazem sentido:
- <nits in tins> <Vivi falava>
- <pins nip> <Vivi vai ali>
- <sit in it>… <Vi a Vivi>…
Adicione apenas um grafema, <n>, e mais orações serão possíveis :
- <an ant naps in a tin> <Ana vivia na vila>
- <an ant sits in a pan> <Ana nanava a Vivi>
- < Pat’s pants nip > <Vivi falava, Ana lia>
- <it snaps!> <vai, Viviana!>
- <a nit pats an ant> <Nina, Ana, Vivi na vila>
- <an ant sips sap> <ai, Ana fala fina>
- <it is a pit in a pan>… <Vivi afinava a fala>
- <it is a pit in a pan>… <Ana lavava, Vivi falava>…
2. Princípios do ensino da alfabetização
2.2 Enfoques multissensoriais
Crianças com dislexia têm problemas para construir representações dos ‘sons’ das palavras faladas, i.e., fonemas, e então associá-las às ‘letras’, i.e., encontram dificuldades para representar e decodificar grafemas, das palavras escritas. Isso porque para elas é bastante complicado aprender a ler e a ortografar.
Em 1930, o Dr. Samuel Orton, nos EUA, observou que os aprendizes com dislexia tinham problemas na leitura e escrita quando ensinados pelos métodos ‘tradicionais’. Trabalhando com a premissa de que algumas conexões cerebrais, notadamente aquelas entre as áreas visual e auditiva, pudessem ser menos fortes nesses aprendizes, ele procurou um sistema de ensino que usasse outras áreas associativas do cérebro para ligar a área visual à auditiva. Ele pediu a Anna Gillingham e a uma equipe de professores experientes que concebessem um novo método para o ensino da fônica para aprendizes com dislexia.
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Técnicas multissensoriais para o ensino da alfabetização, agora denominadas o método Orton-Gillingham, surgem deste enfoque.
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Os métodos multissensoriais têm sido comprovados como os mais efetivos para crianças com dislexia e, ao mesmo tempo, beneficiam todas as crianças na aprendizagem da leitura.
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2.2.1 O que são os métodos multissensoriais?
As técnicas estabelecem uma associação estrita e simultânea entre o que os aprendizes com dislexia
veem na frente deles, a modalidade visual
o que eles ouvem, a modalidade auditiva
o que eles sentem ao redor da sua garganta e boca quando falam em voz alta, a modalidade oral-cinestésica
e o que sentem em sua mão quando escrevem cada grafema e palavra, a modalidade manual-cinestésica que inclui a memória dos movimentos feitos pelos músculos.
Quando ensina crianças com dislexia, você deveria tentar envolver essas quatro modalidades tanto quanto possível ao longo de todos os domínios.
Essas conexões melhoram a memória e a consciência:
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Aqui, Steve Chinn, um especialista em dificuldades de aprendizagem e ex-diretor de uma escola especializada, fala sobre ensino multissensorial.
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2.2.2 Características dos métodos multissensoriais
- Estruturados e sequenciais: introduzir o simples e frequente antes de passar para o complexo e menos comum, por exemplo, <v> e <i> antes de <x> e <s>.
- Cumulativos: cada novo ponto de aprendizagem se constrói sobre aquele ensinado antes.
- Baseados na análise fonológica: o aprendiz precisa adquirir uma consciência completa das unidades fonológicas: sílaba, ataque/rima e fonema.
O aprendiz deve ser apto a segmentar as palavras faladas em unidades menores para fazer as ligações entre fonemas e grafemas.
- Completos: cada passo deve ser completamente dominado antes de prosseguir para o passo seguinte. Esta insistência na ‘superaprendizagem’, à qual retornaremos mais adiante, é importante no ensino a crianças com dislexia.
- Treinamento da memória: os métodos multissensoriais ajudam a incentivar a memória e a recordação. Auxílios concretos à memória devem ser usados, tais como fichas de leitura, fichas de mapas mentais e mnemônica.
- Metacognitivos: o professor precisa encorajar os aprendizes a pensar sobre a forma como eles aprendem.
Os alunos deveriam ser conscientizados sobre como associar novos conceitos ao que eles aprenderam antes e então aprender como abordar uma nova tarefa, construindo sobre o que já tinham aprendido.
Os alunos deveriam ser conscientizados sobre a importância da auto-monitoria. Por exemplo, quando lessem um texto, deveriam saber que têm que parar aqui e ali para se perguntar: ‘Eu entendi isto?’ ‘A qual questão este parágrafo responde?’
Diagnóstico: os professores têm que se adaptar ao estilo e ritmo de seu ensino a fim de responder às necessidades e capacidades do aprendiz.
2.2.3 Passos a serem seguidos nos métodos fônicos multissensoriais
São estes:
- Você começa pelo ensino da consciência fonêmica e fonológica.
- Simultaneamente, você ensina as relações grafema-fonema, iniciando com uma só letra, por exemplo:
<v> ↔ /v/
Então, duas letras, por exemplo:
<ss> ↔ /s/
<rr> ↔ /R/
Exemplo de uma situação mais complicada:
<an> ↔ /ã/, em que o <n> tem que estar em final de sílaba, para formar com a letra <a> um só grafema (dígrafo), ou
<qu> ↔ /k/, só quando a letra <u> não tiver nenhum valor. Isto ocorre quando <qu> aparece antes de <e> ou <i> e as palavras têm que ser memorizadas no léxico ortográfico, com tal valor, pois o contexto é competitivo com a situação em que o <u> representa a semivogal /w/, como em ‘sequência”.
- As regras são construídas com respeito a restrições posicionais, por exemplo:
/s/, no início de vocábulo, antes das vogais posteriores, que se escrevem <u>, <o>, ou <a>, com ou sem acentos gráficos, é ortografado obrigatoriamente pela letra <s>, como em <suco>, <sono>, <sólido> e <samba> e
a semivogal /w/ nasalizada, em final de vocábulo se ortografa como <m> ou <o>, por exemplo, em <lavam> e <sótão>.
Formações ortográficas regulares são ensinadas a partir das mais frequentes até as menos frequentes:
<o> para /u/ em final de vocábulo, em sílaba átona, como em <livro> e
<e> para /i/ em final de vocábulo, em sílaba átona, como em <escreve>
<am> para /ãw/ em final de vocábulo, como em <cantam> e
<ão> para /ãw/ em final de vocábulo, como em <são>
Nos verbos, a escolha entre <am> e <ão> é condicionada: <am> quando em sílaba átona, como em <cantam>, <cantavam>, <cantaram> e <ão>, quando recebe a intensidade, como em <são>, <estão>, <cantarão>.
- Regras que envolvem mudanças na ortografia são ensinadas, na língua portuguesa, com base na origem etimológica, na derivação morfológica e nos princípios alfabéticos do português e devem ser ensinadas na seguinte ordem, a partir da frequência de uso:
– manter a mesma letra <s> ou <z> em toda a derivação, quando constarem como última consoante do radical, como em <quis>, <quisemos>, <quiseram>, <quisesse>, <quiser>, a partir de quiseste e como em <fiz>, <fizemos>, <fizeram>, <fizer>, a partir de fizeste;
– manter a mesma letra <s> ou <z> nos sufixos –ês, esa e ez, eza, em toda a derivação; ês, esa derivam adjetivos pátrios ou toponímicos, como, português, inglesa, francês e ez, eza derivam substantives abstratos como viuvez, beleza;
– <c> e sua variante <ç>, por exemplo: o verbo <esquecer> tem o final do radical grafado com a letra <c>. Esta letra <c> vai permanecer em toda a derivação, sempre que seguida das letras <e> e <i> (com ou sem acentos gráficos) que representam as vogais [-posteriores], conforme, <esquece>, <esqueci>, <esquecimento>, <esquecêramos>, <esquecê-los>. Porém se for seguida das letras <u>, <o>, <a> (com ou sem acentos gráficos), que representam as vogais [+posteriores], a letra <c>é substituída pela letra <ç>, pois do contrário, neste contexto, <c> teria o valor do fonema /k/, conforme <esqueço>, <esqueças>, <esqueçam>: a fidelidade ao fonema /s/ precisa ser mantida em toda a derivação. O que acabamos de explicar se aplica a todos os radicais que terminam pelo fonema /s/, na 2ª conjugação, representado, ora por <c>, ora por <ç>, conforme a regra acima, como nos verbos <adormecer>, <aquecer>, <entristecer>, <obedecer>, etc.;
– <g> antes de <u>, <o>, <a> (com ou sem acentos gráficos), como em <ligo>, <ligar> e <siga>, e <gu> com valor de /g/, antes de <e> ou <i>, como em <liguei>, <ligue>, <seguir> para manterem a fidelidade ao fonema /g/;
– <c> antes de <u>, <o>, <a> (com ou sem acentos gráficos) como em <fico>, <ficou>, <ficar>, e <qu> com valor de /k/, antes de <e> ou <i>, (com ou sem acentos gráficos), como em <fiquei>, para manterem a fidelidade ao fonema /k/. .
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©Dr. Vincent Goetry e Dyslexia International (Versão Original)
©Dra. Ângela Maria Vieira Pinheiro (Coordenação da tradução e adaptação da VB)