Definições Formais


Existem dois sistemas internacionais de classificação de problemas mentais e comportamentais:

1. a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10), adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2007; e

2. o Manual Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM), publicado pela Associação Psiquiátrica Americana, que está em sua 5ª versão (DSM-5), lançada em 2013.




Definição de dislexia segundo a OMS


CID-10: F81.1 – Transtorno específico de leitura (dislexia de desenvolvimento, leitura especular, retardo específico da leitura)

“A característica essencial é um comprometimento específico e significativo do desenvolvimento das habilidades da leitura, não atribuíveis exclusivamente à idade mental, a transtornos de acuidade visual ou escolarização inadequada.

A capacidade de compreensão da leitura, o reconhecimento das palavras, a leitura oral e o desempenho de tarefas que necessitam da leitura podem estar comprometidos.

O transtorno específico da leitura se acompanha frequentemente de dificuldades de soletração, persistindo comumente na adolescência, mesmo quando a criança haja feito alguns progressos na leitura.

As crianças que apresentam um transtorno específico da leitura têm frequentemente antecedentes de transtorno da fala ou de linguagem.

O transtorno se acompanha comumente de transtornos emocionais e de transtorno do comportamento durante a escolarização.” (Organização Mundial da Saúde, 2007, pag. 365).


Comprometimentos:
• leitura oral
• reconhecimento das palavras
• compreensão da leitura
• soletração

Não atribuíveis exclusivamente a:
• idade mental
• baixa acuidade visual
• escolarização inadequada

Comumente associados a:
• transtornos da fala ou de linguagem
• distúrbios emocionais
• problemas de comportamento



O adjetivo “específico”, que sublinhamos na definição oficial da CID-10, significa que funções cognitivas específicas, a habilidade de ler e ou de soletrar, se acham isoladamente comprometidas.



Diferente do DSM-5, as definições de dislexia na CID-10 não incluem explicitamente o critério de velocidade de leitura ou de fluência, apesar da lentidão ser uma dificuldade da leitura oral. Assim, Vincent Goetry e a Dislexia International (2010) sugerem completar a definição dada pelo CID-10 da seguinte forma: “uma deficiência específica e distinta na aprendizagem da leitura, evidenciada por dificuldades persistentes em aprender essa habilidade, muitas vezes acompanhada por dificuldades de soletração. Mostra falta de precisão e/ou velocidade na leitura e/ou de compreensão de textos. Estas dificuldades não podem ser atribuídas simplesmente a baixa idade mental, limitações na acuidade visual ou auditiva, ou escolaridade insuficiente”.



Definição de dislexia segundo o DSM-5

Enquanto o CID-10 considera a dislexia como um comprometimento/transtorno específico da leitura, o DSM-5 inclui essa condição no contexto mais amplo dos Transtornos Específicos de Aprendizagem. Nessa definição, a leitura é apenas uma das habilidades que podem estar comprometidas. As outras duas são a escrita e a matemática, ou seja, em conjunto, as habilidades acadêmicas que devem ser ensinadas e aprendidas explicitamente.

De acordo com DSM-5, a dislexia (ou o equivalente a ela) é um dos distúrbios específicos de aprendizagem. Caracteriza-se por prejuízo na leitura, mais especificamente na acurácia e na velocidade de reconhecimento de palavras e no processo de decodificação fonológica, que pode ser combinado ou não com baixas habilidades de soletração. Assim como especificado no manual, a dislexia é um termo alternativo para se referir a esse padrão de dificuldades, que pode se apresentar isoladamente ou acompanhado de uma ou mais dificuldades adicionais, tais como dificuldade na compreensão de leitura ou no raciocínio matemático.

Ao contrário de outras definições de dislexia (ex., o CID-10), que incluem comprometimento na habilidade de compreensão de leitura entre as habilidades prejudicadas na dislexia, para o DSM-5 o padrão de leitura caracterizado por problemas de compreensão de texto é distinto da dislexia. Assim, uma leitura de texto com acurácia, “mas sem entendimento de sequências, relacionamentos, inferências ou o significado profundo do material lido” (p. 66) representa um dos sintomas dentro de seis possibilidades dos Transtornos Específicos de Aprendizagem (duas delas relacionadas à leitura, duas à escrita e duas à matemática). Por isso, o padrão “dificuldade com o significado do que é lido” deve ser diagnosticado como uma condição separada. Para avaliar o desempenho em leitura, o DSM-5 exige o uso de testes psicometricamente validados e normatizados, com aplicação individual, que meçam a acurácia, fluência e a compreensão.

Ainda segundo o DSM-5, os Transtornos Específicos de Aprendizagem (lembrando que a dislexia é uma manifestação específica dessas desordens) têm em comum as seguintes características:

• transtornos do neurodesenvolvimento, com uma origem biológica, que são consideradas a base para o comprometimento das funções cognitivas supracitadas;

• requerem para a sua definição que apresentem ao menos um dos seis sintomas listados no manual (DSM-5, p. 66) e que o sintoma (ou sintomas) identificado(s) persista(m), pelo menos, seis meses depois do processo de reeducação (intervenção direcionada à dificuldade específica, seja ela leitura, expressão escrita ou matemática);

• são “inesperadas”, uma vez que outras habilidades cognitivas da criança apresentam um desenvolvimento adequado;

• a dificuldade de aprendizagem é percebida na pré-escola, mas só pode ser confiavelmente diagnosticada mais tarde, após o início da educação formal;

• ocorrem em todas as culturas;

• são condições crônicas que persistem até à idade adulta; e

• podem se manifestar de forma diferente em diferentes culturas e em diferentes condições de desenvolvimento.




É importante retomar aqui o que dissemos acima sobre o que seja uma condição específica, no contexto da dislexia. Agora, no contexto mais amplo dos Transtornos Específicos de Aprendizagem, o adjetivo “específico” significa que “funções cognitivas específicas”, tais como a habilidade de ler, escrever ou de cálculo (ou uma combinação dessas habilidades) se acham isoladamente comprometidas. É essa especificidade que distingue os Transtornos Específicos de Aprendizagem das chamadas "dificuldades de aprendizagem", que refletem dificuldades mais gerais e esperadas como resultado de baixo nível intelectual ou de fatores ambientais (ex., estímulo e/ou motivação insuficiente para a aprendizagem, falta de oportunidade de aprendizagem e/ou ensino deficiente).




DEFINIÇÃO DE DIFICULDADES COM A SOLETRAÇÃO SEGUNDO O CID-10 E DSM-5

CID-10: F81.1 Transtorno específico da soletração (retardo específico da soletração sem transtorno de leitura).

A característica essencial é uma alteração específica e significativa do desenvolvimento da habilidade para soletrar, na ausência de antecedentes de um transtorno específico de leitura, e não atribuível à baixa idade mental, transtornos de acuidade visual ou escolarização inadequada.

A capacidade de soletrar oralmente e a capacidade de escrever corretamente as palavras estão ambas afetadas.

Para o CID-10, a dificuldade de soletração pode acontecer também na ausência do transtorno específico de leitura. O CID-10 reconhece que sabemos relativamente pouco sobre os antecedentes, evolução e resultados em longo prazo das dificuldades específicas de soletração.

No DSM-5, “habilidades pobres de soletração” podem estar incluídas no padrão de dificuldades que definem a dislexia. No entanto, as dificuldades de soletração, expressas por uma escrita com erros de adição, omissão ou substituições de vogal ou de consonante, podem por si sós caracterizar um Transtorno Específico de Aprendizagem.

Da mesma forma, o padrão de “dificuldades com a expressão escrita”, manifesto por erros gramaticais ou de pontuação dentro da sentença, combinados com uma má organização de parágrafos e com falta de clareza na expressão de ideias, é, por si só, outro tipo de Transtorno Específico de Aprendizagem.

Isso por que cada um desses padrões – “habilidades pobres de soletração” ou “dificuldades com a expressão escrita” – representa um dos sintomas dentro de seis possibilidades de Transtorno Específico de Aprendizagem. É importante lembrar que a pertença à categoria Transtorno Específico de Aprendizagem exige ainda outro critério: o de persistência. O sintoma em questão deve persistir, pelo menos, seis meses depois de recebimento de reeducação (no caso, ensino adequado voltado para a aprendizagem da soletração ou da expressão escrita).

Já a combinação “problemas de acurácia de soletração + erros gramaticais e de pontuação + insuficiente clareza ou organização na expressão escrita”, recebe a denominação de Transtorno Específico de Aprendizagem com prejuízo na escrita, da mesma forma que se pode ter um Transtorno Específico de Aprendizagem com prejuízo na leitura (ou dislexia) ou Transtorno Específico de Aprendizagem com prejuízo em matemática (ou discalculia).



Fontes


American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-5 (5th ed.). Washington, D.C.: American Psychiatric Association.

Goetry, V.; & Dyslexia International (2010). Basics for teachers – dyslexia : how to identify it and what to do?

Organização Mundial da Saúde (2007). CID-10. Versão on-line: Opção 1 | Opção 2


Para um resumo compreensivo sobre o DSM-5 sugerimos a leitura de:

Tannock, R. (2014). DSM-5 Changes in Diagnostic Criteria for Specific Learning Disabilities (SLD): What are the Implications? International Dyslexia Association (IDA)

Para a versão traduzida desse texto consulte: http://inclusaoaquilino.blogspot.fr/2014/02/dsm-5-e-as-mudancas-no-diagnostico-das.html