As Causas da Dislexia


Fatores Genéticos

Pesquisas feitas com centenas de famílias mostram que algumas formas de dislexia são herdadas. Estudos de gêmeos idênticos têm demonstrado que estas pessoas apresentam maiores semelhanças em seu desempenho em leitura e escrita do que gêmeos não idênticos do mesmo sexo.

Na mesma família, se um dos membros tem dislexia, há uma probabilidade de 50% de que um dos seus parentes próximos também seja disléxico. No entanto, isso não significa que as duas pessoas irão exibir os mesmos traços de dislexia, nem que sua dislexia terá o mesmo grau, já que o transtorno pode variar de leve a severo.

Sobre a prevalência da dislexia entre sexos, há desacordos entre especialistas. Alguns dizem que a dislexia é mais frequente (três vezes mais) em meninos do que em meninas, outros pensam que a dislexia é simplesmente mais frequentemente diagnosticada em meninos do que em meninas, mas que a sua incidência nos dois sexos é a mesma.

No entanto, um estudo recente nos EUA não ofereceu suporte para a maior prevalência de dislexia em homens em comparação com mulheres, mas sim para uma diferença na manifestação da condição a nível cerebral de acordo com o sexo. Por meio de ressonância magnética, Evans e colegas (2013) compararam a anatomia cerebral de homens, mulheres, meninos e meninas disléxicos e sem dislexia (118 participantes) e descobriram que, em comparação aos não disléxicos, há nos homens um menor volume de massa cinzenta nas áreas do cérebro utilizadas para o processamento da linguagem. Já nas mulheres, encontrou-se também um menor volume de massa cinzenta, mas em um local diferente no cérebro: nas áreas envolvidas com o processamento sensorial e motor. Segundo os autores, esses resultados apresentam importantes implicações para o entendimento da origem da dislexia e da relação entre linguagem e processamento sensorial.






Fatores Cerebrais


Estudos modernos de imagens cerebrais mostram, sem sombra de dúvida, que o cérebro de crianças com dislexia desenvolve de forma diferente do de crianças sem dislexia. O mais marcante e observado em praticamente todos os estudos é que há uma atividade relativamente menor em uma parte especializada do cérebro, geralmente no hemisfério esquerdo, quando a criança ou adulto com dislexia está tentando ler. Portanto, a acentuada assimetria entre os hemisférios cerebrais observada em pessoas sem a dislexia não é observada em pessoas com dislexia, como pode ser visto na figura abaixo, retirada de Galaburda, Rosen e Sherman (1989).





Mais precisamente, a maioria desses estudos mostra hipoatividade na área temporal esquerda em duas regiões:

• córtex lateral (lado-medial) temporal: trata do gerenciamento da representação da língua falada (sons e palavras), ou seja, representações fonológicas; e
• área temporal inferior: que faz parte de um caminho inferior visual e que fica próximo ao córtex occipital na parte de trás do cérebro, que lida com a visão.

Estas observações oferecem suporte para a teoria de um déficit duplo: visual e fonológico. De forma abreviada, nos cérebros de pessoas com dislexia, várias áreas-chave podem não ser suficientemente ativadas, tanto no nível da análise visual quanto no nível do processamento fonológico (voltaremos a esse ponto na Unidade II de nosso curso).

Para observar a hipoatividade anormal da área temporal em pessoas com dislexia, os pesquisadores também examinaram a sua organização anatômica. Eles usaram uma técnica em que imagens de camadas de partes do córtex foram captadas com detalhes microscópicos. No caso de pessoas com dislexia, parece haver alguma desorganização nessa área. Esta desorganização, como defende Stanislas Dehaene, surge porque alguns neurônios não estão em seus lugares certos. Isso porque ou pararam de migrar para o seu correto destino durante o desenvolvimento do cérebro, ou por terem migrado parcialmente para lugares errados. Esse processo é chamado de “ectopia”.

Uma técnica muito recente, que pode oferecer imagens de atividade sobre conexões distantes, chamadas fascículos, entre as áreas do cérebro, mostra que há inclusive um grau de desorganização em alguns desses tratos.




Outros Fatores




Fatores nutricionais durante a gravidez da mãe e na primeira infância da criança estão implicados, bem como a resistência imunológica do feto. Com relação aos fatores nutricionais na criança em crescimento, pode haver uma falta de um ácido graxo que é a chave essencial para a formação das membranas dos nervos.




Os problemas nem sempre residem inteiramente no córtex cerebral. Há evidências de que estruturas subcorticais estejam implicadas. Podemos citar o cerebelo (ver imagem ao lado), pois é fundamental para o controle fino do movimento, para a automaticidade e até mesmo para a memória. Outros conjuntos de estruturas subcorticais chamadas gânglios basais podem estar implicados, pois lidam com a iniciação e a supressão do movimento.








Azul = striatum, verde = globo pálido (segmentos internos e externos), amarelo = núcleo subtalâmico, vermelho = substância negra.




Outros conjuntos de estruturas subcorticais chamadas gânglios basais (ver imagem à direita) podem estar implicados, pois lidam com a iniciação e a supressão do movimento.




O cérebro também tem que controlar o rastreamento fino da parte central mais sensível do olho durante a leitura. Uma das várias vias do olho para o córtex cerebral, composta pelos nervos “magnocelulares”, que lidam rapidamente com a detecção de luz e movimento, e, portanto, com a resposta motora, também pode estar prejudicada. Algumas crianças são excessivamente sensíveis a determinados comprimentos de onda da luz. A leitura é, portanto, fisicamente angustiante.

Da mesma forma, as vias auditivas magnocelulares podem estar comprometidas e isso irá afetar a sensibilidade ao som. Em última análise, esses fatores afetam a velocidade do processamento que é importante para integrar as informações dos nossos sentidos e coordenação do comportamento.


“Pesquisas futuras podem revelar um subtipo magnocelular, um subtipo cerebelar e vários subtipos mistos” (Fawcett & Nicolson, 2001).




Estas breves notas revelam a complexidade da questão.

A pessoa pode sofrer de alguns ou muitos dos déficits, em maior ou menor grau. A dislexia pode, então, apresentar-se de diferentes maneiras e em diferentes graus.











Clique aqui para maiores informações sobre essas teorias do neurodesenvolvimento. Veja a conferência completa do Prof. Dehaene, proferida no Open Online Forum “Dislexia: Neurociência e Psicologia Cognitiva”, organizado pela Dyslexia International em novembro de 2008.

Clique aqui para uma visão geral sobre a teoria magnocelular. Veja uma apresentação do Prof. Emeritus John Stein, da Oxford University, que é o presidente e co-fundador da Dyslexia Research Trust. O Prof. John Stein defende o uso de lâminas coloridas e o uso de suplementos de Ômega 3 para aumentar a capacidade de aprendizagem, principalmente de crianças disléxicas.







Os professores Stanislas Dehaene e John Stein também foram conferencistas no II Fórum Mundial de Dislexia, realizado na UFMG em 2014, sob a presidência da Profa. Ângela M. V. Pinheiro em colaboração com a Dyslexia International. Assista as palestras de John Stein e Stanislas Dehaene no Youtube.




Fontes

Fawcett, A. & Nicolson, R. (2001) Dyslexia: the role of the cerebellum. In A.J. Fawcett (ed.) Dyslexia: Theory and Good Practice. London: Whurr.

Galaburda, A. M.; Rosen, G. D. & Sherman, G. F. (1989). In Galaburda, A. M. (Ed.). From Reading to Neurons. Cambridge Mass: MIT Press, p.377-404.

Evans, T. M.; Flowers, D. L.; Napoliello, E. M. & Eden, G. F. (2013). Sex-specific gray matter volume differences in females with developmental dyslexia. Brain Structure and Function, DOI: 10.1007/s00429-013-0552-4

Noble, J., Orton, M., Irlen, S., & Robinson, G. L. (2004). A controlled field study of the use of coloured overlays on reading achievement. Australian Journal of Learning Disabilities, 9(2), 14-22. DOI:10.1080/19404150409546760